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Como o Butantan se tornou o maior produtor da vacina Influenza no Brasil e se prepara para pandemias

Em produção pelo Instituto Butantan desde 2013, a vacina Influenza se tornou o carro-chefe e o maior objeto de estudo da instituição.

02/08/2025 07h10
Por: Redação Fonte: Secom SP
Tudo isso exige uma infraestrutura adequada para a realização de ensaios clínicos, etapa em que a segurança e eficácia dos produtos são avaliados em seres humanos. Foto: Divulgação/Governo de SP
Tudo isso exige uma infraestrutura adequada para a realização de ensaios clínicos, etapa em que a segurança e eficácia dos produtos são avaliados em seres humanos. Foto: Divulgação/Governo de SP

Em produção pelo Instituto Butantan desde 2013, após transferência de tecnologia da farmacêutica francesa Sanofi, a vacina Influenza se tornou o carro-chefe e o maior objeto de estudo da instituição. Hoje, 90 milhões de doses são produzidas anualmente para atender à Campanha Nacional de Vacinação contra a Gripe. Para além da versão trivalente sazonal, o Butantan se dedica a estudar vacinas quadrivalentes, contra cepas pandêmicas da influenza e vacinas com adjuvantes, visando preparar o país para epidemias de gripe e desenvolver produtos cada vez mais eficientes.

Tudo isso exige uma infraestrutura adequada para a realização de ensaios clínicos, etapa em que a segurança e eficácia dos produtos são avaliados em seres humanos. Este trabalho fica a cargo da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Butantan: dos mais de 30 estudos clínicos já coordenados pela área, 10 eram relacionados à influenza.

A experiência do Butantan com a vacina da gripe data de 1999, quando foi assinado o acordo de transferência tecnológica com a Sanofi, encabeçado pelo então diretor Isaias Raw. De alta complexidade, o processo foi feito por etapas e levou mais de 10 anos para ser concluído. O Butantan começou recebendo o imunizante pronto da Sanofi para inspecionar, fazer o controle de qualidade, rotular, embalar e entregar ao Ministério da Saúde. Com o passar dos anos, a instituição foi assumindo o envase, depois a formulação da vacina e, por fim, a produção dos três monovalentes em fábrica própria.

Vista aérea da fábrica da Influenza, 2023. Foto: Mateus Serrer
Vista aérea da fábrica da Influenza, 2023. Foto: Mateus Serrer

“Nos primeiros anos, o local de produção registrado era a fábrica da Sanofi, na França. Após a conclusão da transferência de tecnologia, a fábrica do Butantan recebeu a certificação da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para começar a operar e produzir a vacina Influenza do começo ao fim”, afirma o gerente de Desenvolvimento e Inovação de Produtos do Butantan, Paulo Lee Ho, que acompanhou de perto esse processo.

Enquanto o Butantan desenvolvia seu processo produtivo, parte das vacinas fornecidas ao Ministério da Saúde eram produzidas no Brasil, e a outra parte na França. O Instituto começou fornecendo 6,3 milhões de doses em 2013; em apenas três anos, a produção aumentou mais de sete vezes, chegando a 46 milhões. Em 2023, o Butantan atingiu a capacidade produtiva necessária para fornecer 100% das doses da campanha – ou seja, 90 milhões de doses.

“Foi se estabelecendo não só uma estrutura fabril, mas uma estrutura piloto e laboratorial, e isso gerou a incorporação das Boas Práticas de Laboratório, de Fabricação e Clínicas, conforme esses conceitos avançavam internacionalmente”, aponta a coordenadora de Redação Médica do Butantan, Maria da Graça Salomão, que participou dos estudos da Influenza.

Primeira entrega de doses da vacina Influenza, em 2013. Foto: Comunicação Butantan
Primeira entrega de doses da vacina Influenza, em 2013. Foto: Comunicação Butantan

Como a vacina da Sanofi já havia passado com sucesso por ensaios clínicos de fase 1, 2 e 3, após completar a transferência de tecnologia e assumir sua fabricação, o Butantan conduziu estudos de fase 4, entre 2013 e 2015, por exigência da Anvisa. Os pesquisadores avaliaram a vacina em adultos saudáveis, idosos e pacientes receptores de transplante renal.

“Após esse período, houve um entendimento por parte da Anvisa de que não era necessário repetir os ensaios clínicos todo ano enquanto a população já era vacinada, e que a vigilância pós-comercialização era o melhor instrumento de avaliação de segurança das atualizações de cepas”, explica a gerente de Farmacovigilância do Butantan Maria Beatriz Lucchesi. A cada campanha, a vacina é atualizada com as cepas mais circulantes do vírus influenza, de acordo com diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Apesar dessa decisão, os estudos não pararam. Pelo contrário: à medida que se transformava no principal fornecedor da vacina da gripe no Brasil, o Butantan continuou investindo em outras pesquisas para aprimorar o imunizante, chegando a conquistar a pré-qualificação da OMS em 2021 e desenvolver vacinas contra cepas potencialmente pandêmicas. O Instituto também participou do combate à pandemia de H1N1, em 2009.

Conheça mais sobre os desdobramentos dos estudos envolvendo a vacina Influenza no Instituto Butantan:

Frasco da vacina Influenza produzida no Instituto Butantan. Foto: Renato Rodrigues
Frasco da vacina Influenza produzida no Instituto Butantan. Foto: Renato Rodrigues

Pandemia de H1N1

Em 2009, o mundo enfrentou a pandemia de H1N1, doença que ficou conhecida como gripe suína e atingiu mais de 70 países. De acordo com a OMS , o surto começou com a propagação de um vírus influenza tipo A originado de uma cepa animal e não relacionado aos vírus H1N1 sazonais. No Brasil, o Butantan esteve à frente do combate à doença, produzindo a vacina com a cepa pandêmica – já como parte do processo de transferência tecnológica do imunizante da Sanofi. Em 2010, o PNI adquiriu 83 milhões de doses da vacina.

Na época, o Instituto investigou a segurança e a imunogenicidade da vacina H1N1 com diferentes adjuvantes (substâncias usadas para potencializar a resposta imune). Também foram feitos estudos para avaliar o imunizante em públicos vulneráveis, como pacientes com doenças crônicas, imunossuprimidos, idosos e gestantes – grupos que concentravam a maioria das mortes decorrentes da doença.

A vacinação ajudou a conter os casos de gripe suína e levou a OMS a decretar o fim da pandemia em agosto de 2010. No período da emergência sanitária, foram confirmados oficialmente 18.500 mortes por H1N1 no mundo, mas um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos estima que podem ter ocorrido entre 151.700 e 575.400 óbitos. No Brasil, foram registrados quase 60 mil casos e mais de 2 mil mortes.

Processo de rotulagem da vacina da gripe. Foto: Renato Rodrigues
Processo de rotulagem da vacina da gripe. Foto: Renato Rodrigues

Reconhecimento da OMS

Em 2016, o Butantan submeteu um pedido à OMS para a inclusão da vacina Influenza em sua lista de imunizantes pré-qualificados. A organização solicitou um estudo de não inferioridade entre a versão do Butantan e a da Sanofi. Foram anos de trabalho da equipe de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância para atender às exigências do órgão e conquistar esse título internacional. A OMS aprovou a pré-qualificação do imunizante em 2021 – uma validação às boas práticas do Butantan em todos os processos envolvidos na fabricação do produto.

“Três grandes áreas do Instituto trabalharam durante anos para aprimorar os processos de produção, a estrutura de farmacovigilância e a qualidade produtiva. Tivemos suporte de consultores internacionais para adequar todas essas áreas”, conta Maria Beatriz. “Também realizamos um estudo de farmacovigilância ativa para avaliar a segurança da vacina em idosos, crianças, profissionais da saúde, gestantes e puérperas.”

A inclusão da vacina Influenza na lista de pré-qualificação da OMS permitiu que o Butantan passasse a exportar o produto para países da América Latina, por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Entre 2022 e 2024, foram exportadas 14 milhões de doses para países como Colômbia, Bolívia, Uruguai, Cuba e Nicarágua.

Com o objetivo de ampliar a proteção da população contra a gripe e potencializar a efetividade da vacina Influenza, o Butantan vem trabalhando no desenvolvimento de uma versão tetravalente, composta por duas cepas do vírus influenza tipo A (H1N1 e H3N2) e duas cepas tipo B (linhagens Victoria e Yamagata) – já que existe a possibilidade de duas cepas do tipo B cocircularem durante uma temporada de influenza. Normalmente, a trivalente é composta por somente uma cepa B e duas cepas A.

Por ser produzida da mesma forma que a Influenza trivalente, com acréscimo de um monovalente, a Anvisa autorizou que o estudo da vacina começasse direto pela fase 3 de ensaios clínicos, em uma avaliação de não inferioridade – ou seja, o imunizante candidato precisa se provar tão efetivo quanto a versão trivalente ou superior.

Todos os anos, mais de 300 colaboradores atuam na formulação, envase, rotulagem e acondicionamento da vacina Influenza do Butantan. Foto: Renato Rodrigues
Todos os anos, mais de 300 colaboradores atuam na formulação, envase, rotulagem e acondicionamento da vacina Influenza do Butantan. Foto: Renato Rodrigues

Preparação para futuras emergências

A decisão de construir uma fábrica dedicada à vacina da gripe foi estratégica para o Instituto Butantan – tanto para ajudar a controlar a doença no Brasil, como para auxiliar o país a combater epidemias e pandemias. Segundo Paulo Lee Ho, a estrutura pode ser adaptada facilmente para produzir outras cepas do vírus, de acordo com o surgimento de novas emergências.

Prova disso é que o Butantan vem se mobilizando para combater uma potencial pandemia de gripe aviária: em julho de 2025, o Instituto obteve a aprovação da Anvisa para iniciar o ensaio clínico de uma vacina humana contra a doença . O imunizante começou a ser desenvolvido em janeiro de 2023, diante da disseminação do vírus em aves e mamíferos selvagens de todo o mundo. Novas infecções em humanos começaram a ser registradas no ano passado, acendendo o alerta das autoridades. De 2003 a 2024, foram notificados 904 casos humanos de gripe aviária, com uma taxa de letalidade de 51%, segundo a OMS .

A candidata vacinal deverá passar pelas fases 1 e 2, que comprovam sua segurança e garantem que ela produz anticorpos. A partir daí, será mantida em lotes estratégicos para ser testada em fase 3, em caso de epidemia – é preciso ter o vírus circulando para avaliar sua eficácia. Isso significa que, se houver de fato uma emergência de gripe aviária no Brasil, o Instituto estará pronto para fornecer um imunizante.

Outra vacina com potencial pandêmico já desenvolvida e testada pelo Butantan é a da influenza H7N9, que passou por ensaio clínico de fase 1 entre 2017 e 2018. O produto foi formulado com um adjuvante produzido pela própria instituição, o IB160. Publicada na revista PLOS One , a pesquisa mostrou que o uso do adjuvante dobra o rendimento das doses, além de potencializar a resposta imune.

De acordo com a OMS, a história nos ensina que é uma questão de tempo até que uma nova emergência mundial aconteça. Por isso, em conjunto com a Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI), a organização reforçou em agosto do ano passado o pedido de que cientistas e governos fortaleçam a pesquisa global para se preparar para a próxima pandemia .

Para Maria da Graça, essa preparação deve ser contínua, e lutar pela autossuficiência do Brasil no setor farmacêutico é essencial. “O Butantan tem tomado decisões em diversas frentes, como produção de células para servir de substrato para produção de antígenos, melhoria das fábricas e investimento em novas tecnologias, de modo que possamos ser autossuficientes. O grande gargalo das pandemias é o tempo: você deve conter o vírus o quanto antes.”

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