Integrantes das Polícias Civil e Militar de Minas Gerais denunciaram, na Câmara dos Deputados, práticas sistemáticas de assédio sexual e moral, violência institucional, produção de laudos manipulados e perseguição nas instituições. O assunto foi discutido em audiência pública da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado nesta quinta-feira (10).
O debate foi proposto pela deputada Duda Salabert (PDT-MG), que resumiu as denúncias recebidas: “Assediadas sexualmente por superiores, perseguidas por denunciar abusos, afastadas com laudos manipulados, internadas em alas psiquiátricas de forma compulsória, estupradas por médicos dentro das corporações e aposentadas compulsoriamente por serem caladas”, disse.
“Isso mostra ou sugere um padrão dentro das forças policiais brasileiras: as servidoras de segurança pública, após denunciarem assédio ou violência dentro das instituições policiais, acabam sendo perseguidas, silenciadas e adoecidas", apontou. "De 2018 até 2023, mais de mil policiais cometeram suicídio devido ao adoecimento crônico dentro das instituições policiais”, acrescentou.
Ações
Duda Salabert sugeriu a criação de um protocolo nacional de proteção às servidoras vítimas de violência institucional e a instalação de corregedorias externas independentes e com participação da sociedade civil. Além disso, a deputada quer criar um grupo de trabalho dentro da Comissão de Segurança Pública com a participação das policiais e da sociedade civil para discutir a atualização do Código Penal Militar , para estabelecer punição ao assédio.
Ela se comprometeu ainda a destinar emenda parlamentar para a produção de pesquisa sobre a realidade do assédio nas forças policiais.
Pai de Rafaela Drumond, escrivã da Polícia Civil de Minas Gerais de 31 anos que se suicidou em junho de 2023 após uma série de assédios sexual e moral, Aldair Drumond sugeriu que a chamada Lei Rafaela Drummond , aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, vire lei federal. A lei prevê a demissão do servidor que cometer assédio moral, caracterizado como a conduta do agente público que tenha por objetivo atingir a autoestima ou a estabilidade emocional de servidores. Duda Salabert se comprometeu a protocolar proposta nesse sentido.
"Eu vou ser morta"
Investigadora da Polícia Civil de Minas Gerais, Jaqueline Evangelista Rodrigues disse que sofreu dois assédios sexuais na corporação em 2020, gerando sindicância, e que ela sofreu várias violações no processo administrativo: foi enviada à perícia de forma abusiva, e laudos falsos foram emitidos para invalidar os abusos que denunciou.
De acordo com a policial, a corregedoria da corporação ofereceu acordo para ela não denunciar o abusador, e, após ela ter negado, teve uma série de sindicâncias abertas contra ela. Jaqueline Evangelista conta que denunciou a situação de assédio moral e violência institucional, mas acusa o Ministério Público e o Tribunal de Justiça do estado de ser coniventes e negligentes.
“Eu vou ser morta, porque o que está acontecendo comigo dentro de Minas Gerais não envolve mais só a Polícia Civil, envolve o Ministério Público e envolve o TJ”, disse.” Eu vou ser morta e preciso de proteção. Eu vou voltar para Minas e vocês vão receber a notícia da minha morte”, reiterou.
Adoecimento mental
Escrivã da Polícia Civil de Minas Gerais, Pamella Gabryelle Durães relatou que sofreu assédio moral em 2014, assédio sexual e moral por parte de um investigador da delegacia de Buritizeiro em 2016, e, ao resistir ao assédio sexual, foi obrigada a trabalhar junto com o abusador. Adoeceu mentalmente, foi internada sem consentimento, passou por uma série de constrangimentos e abusos sexuais também durante a internação.
“Desde 2020 eu faço acompanhamento psiquiátrico com o mesmo psiquiatra. O meu diagnóstico é depressão grave com ideação suicida”, disse, muito emocionada. “E nesse período eu tive que trabalhar com esse colega assediador, de 2016 até 2023, que foi quando eu consegui a minha remoção para a cidade de Montes Claros”, acrescentou. Ela pediu justiça, com punição dos envolvidos.
Conselho dos Direitos Humanos
Coordenadora do Programa Segurança Previne, do Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (Ippes) e integrante do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Maria das Neves se comprometeu com Jaqueline Evangelista a tentar incluí-la no Programa Nacional de Proteção às testemunhas e vítimas de violência. Ela informou que todas as denúncias já estão sendo acompanhadas pelo conselho.
Segundo ela, já foram cobradas respostas da Secretaria de Segurança de Minas Gerais, mas até agora não houve nenhuma medida para o enfrentamento ao assédio moral e sexual. Maria das Neves, citando dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disse que mais de 40% das policiais das guardas municipais, perícia criminal, civil, bombeiros e polícia federal já sofreram algum tipo de assédio moral e sexual. “É uma situação grave e alarmante que inúmeras pessoas, em especial mulheres, tenham sido levadas ao suicídio em decorrência de violência que no início é sexual. Ao dizer não, progride para uma violência moral, uma perseguição a essas mulheres, inclusive com laudos periciais falsos", afirmou.
Atendimento psicológico
Coordenadora-geral de Valorização Profissional do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Juliana Ribeiro informou que já está em execução há mais de um ano no órgão um projeto de atendimento psicológico e psiquiátrico aos policiais, sem precisar passar por nenhuma outra instância. Nos atendimentos, o assédio é denunciado e apontado como fator de adoecimento. O serviço pode ser acessado gratuitamente por meio do site Escuta Susp.
Segundo ela, para resolver a subnotificação de acidentes de trabalho e de suicídio de policiais, o Ministério da Justiça trabalha com o Ministério da Saúde para fazer uma interação e operação em conjunto dos bancos de dados dos dois órgãos. “A gente vai lançar no final do ano um painel sobre os indicadores de qualidade de vida dos profissionais de segurança pública e uma parte desse painel é sobre as condições da mulher na polícia”, acrescentou.
Outros depoimentos
Cabo da Polícia Militar de Minas Gerais, Cleines Oliveira também contou que vem, há mais de dez anos, sendo assediado e perseguido e que chegou a ser preso, além de receber ameaças de morte. De acordo com ele, o motivo foi não ter compactuado com adulterações nos boletins de ocorrência para falsear os índices de criminalidade e violência no estado. "O modus operandi é sempre o mesmo: tentam prejudicar a imagem do profissional e assim fica muito mais fácil dar continuidade ao assédio moral", disse. Ele também pede inclusão no programa de proteção a testemunhas do Ministério da Justiça.
O perito criminal da Polícia Civil de Minas Gerais Erick Souto Guimarães disse que quem denuncia abusos na corporação paga um preço elevado: “O preço é a sua saúde, que foi o que eu tive que pagar, a minha saúde", falou. "Eu tenho transtorno de estresse pós-traumático, depressão, tenho que tomar medicação pesada, ideação suicida. Minha família adoeceu junto. Tem um processo criminal e até hoje a perícia médica não reconhece o nexo causal entre o que aconteceu comigo e o meu adoecimento, apesar de ter mais de 3 mil páginas falando sobre isso."
Suicídios e subnotificação
Comissária de Polícia da Secretaria Estadual de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Meire Cristine Ferreira de Souza informou que 821 profissionais da segurança pública tiraram a própria vida em seis anos. Segundo ela, o problema do adoecimento na categoria é muito maior do que as estatísticas oficiais indicam. Segundo ela, as doenças que acometem profissionais da segurança pública não são incluídas no sistema de notificação compulsória do Ministério da Saúde.
Ela sugere a criação de programas de saúde e segurança do trabalho em todas as instituições de segurança pública do País. Meire de Souza salientou que essa é uma profissão de risco, e deveria ser responsabilidade das instituições mitigar esses riscos. “Esses danos devem ser mitigados por mieo de programas de saúde e segurança do trabalho, de uma gestão humanizada, com o foco também nesse indivíduo, combater o assédio moral e sexual, o estigma também do adoecimento mental, pois já foi observado que muitos profissionais que lidam com pastas de gestão de pessoas, de corregedorias, não possuem esse conhecimento dessa abordagem empática e de cuidado e por muitas vezes banalizam o adoecimento", apontou.
Canais de denúncia
Vereadora de Conselheiro Lafaiete (MG), Damires Rinarlly afirmou que o servidor de segurança pública do estado não tem hoje canais de denúncia da sua situação. “Todos os servidores, seja da Polícia Civil, da Polícia Penal, da Polícia Militar e até mesmo do Corpo de Bombeiros têm jornadas exaustivas, cobranças exaustivas e assédios dentro da instituição de maneira exacerbada, e não tem esses canais de fato para que seja denunciado, para que seja apoiado. Do contrário, quando há movimentação de denúncia, há ainda mais assédio para tentar calar”, afirmou.
“Quem sabe nós consigamos trazer uma alteração no Código Penal Militar para acrescentar de maneira expressa, tipificada, o crime de assédio dentro do Código Penal Militar, para que de fato as pessoas que estejam assediadas tenham seu subsídio tipificado, porque a gente precisa se apegar no contexto legislativo”, sugeriu. Duda Salabert concordou com a sugestão.
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